Lançando seu terceiro livro, misto de autobiografia e reflexão, Rodrigo Hübner Mendes ressignifica a própria história ao transformar a vida de milhares de crianças com deficiência e se tornar referência em educação inclusiva
Lidar com o inesperado virou mote para Rodrigo Hübner Mendes, principalmente desde que um tiro durante um assalto o deixou tetraplégico, aos 18 anos. Rodrigo, que até então estudava, jogava Futebol — no Pinheiros, que frequentava por influência familiar desde a infância, no Jardim de Infância Tia Lucy — e remava assiduamente, fez da ruptura uma oportunidade para ele e muitas outras pessoas.
Após um período inicial de compreensão de sua nova realidade, ele fundou o Instituto Rodrigo Mendes, no qual há quase 30 anos se dedica para que nenhuma criança fique de fora da escola por causa de uma deficiência ou de um transtorno.
Formado em administração de empresas e mestre em gestão de diversidade humana pela FGV, já havia escrito dois livros antes de O Potencial da Mudança (Cia. das Letras, disponível na Biblioteca), misto de autobiografia e reflexões.Rodrigo conversou com a revista do Pinheiros para falar sobre o novo livro, o instituto e a forma de enxergar a vida em suas constantes transformações.
Pinheiros – Como nasceu O Potencial da Mudança?
Rodrigo – Pensar sobre os processos de mudanças se tornou um hábito na juventude, especialmente nos primeiros anos da graduação, quando tive a chance de estudar textos clássicos de filosofia, sociologia e psicologia. Nasceu, ali, o desejo de um dia escrever sobre esse tema.
Isso veio a se concretizar muitos anos depois com um empurrão do Lázaro Ramos. A gente tinha se conhecido durante uma gravação do programa Criança Esperança. Alguns meses mais tarde, passamos uma tarde juntos. Antes de se despedir, ele falou sobre como tinha sido importante ter lançado o livro Na Minha Pele. Me deu um abraço e disse que já estava na hora de eu publicar algo também sobre minhas experiências pessoais.
A pandemia trouxe a resposta. Pensando em como transformar aquele momento de confinamento em fonte de aprendizado, decidi encarar o projeto do livro.
Pinheiros – Como foi escrever sobre o assalto que você sofreu?
Rodrigo – Sempre falei com tranquilidade sobre essa ocasião. Os primeiros dias no hospital estão na lista dos momentos mais difíceis da minha vida. Eu tinha muita dificuldade para respirar e precisava enfrentar uma maratona de procedimentos que eu nem sabia que existiam. E nas madrugadas, tinha a hora em que todo mundo dava uma parada para descansar, e eu ficava ali, acordado, como que na beira de um precipício, me segurando como eu podia para não despencar.
Nessas horas, recorria aos melhores momentos do passado, que apareciam como um cinema projetado no teto. Eram sempre cenas marcadas por leveza e afeto. E aquilo me reernegizava.
Logo na primeira semana, entendi que, em algum nível, estava na minha mão dimensionar qual seria o tamanho da encrenca que eu tinha pela frente. Eu dispunha de tanta gente do meu lado, me oferecendo todo tipo suporte, que eu preferi pensar que eu era uma pessoa privilegiada. Com isso, eu já conseguia afastar uma boa parte dos fantasmas.
Outro fator foi o choque de realidade quando comecei a frequentar clínicas de fisioterapia. Eu percebi que muitas famílias não tinham a menor condição de arcar com o tratamento de seus filhos. Anos mais tarde, isso resultou na criação do Instituto Rodrigo Mendes.
Pinheiros – No livro, você mostra uma metodologia para lidar de forma positiva com as intempéries. Como é isso?
Rodrigo – Os fatos em nossa linha do tempo podem ser classificados em duas vertentes: continuidades e rupturas. Sob outro ponto de vista, as situações podem ser organizadas em deliberações, quando temos a liberdade para tomar decisões sobre o nosso percurso, e imposições, quando somos coagidos por forças externas.
O cruzamento desses dois eixos resulta em uma matriz com quatro situações: estabilidade, estagnação, mudança por opção e mudança por imposição. Toda pessoa está se movimentando por elas ao longo do tempo.
Em quais quadrantes da matriz almejamos estar em cada dimensão da vida? Tenho feito essa pergunta há décadas, em aulas e palestras, e as respostas revelam duas crenças equivocadas: em primeiro lugar, a ilusão de que é possível controlar permanentemente nossa navegação. Em segundo, a crença de que situações impostas inviabilizam a realização pessoal.
E qual seria, então, o melhor quadrante para se alcançar a realização pessoal? O livro não tem a pretensão de apresentar uma resposta categórica. O objetivo é estimular o leitor a buscar suas próprias respostas.
Pinheiros – O que é o Instituto Rodrigo Mendes?
Rodrigo – O instituto trabalha para que nenhuma criança fique de fora da escola por causa de uma deficiência ou de um transtorno. Fazemos isso investindo em três programas: produção de pesquisa e conhecimento; formação de professores e gestores; e advocacy, o corpo a corpo junto a legisladores e líderes que mexem nos ponteiros da educação. Nesses quase 30 anos, já passaram pela nossa plataforma mais de 110 mil professores, dos 26 estados, que impactaram mais de 2 milhões de estudantes. E isso é só o começo.
Pinheiros – O Instituto agora visa alcançar os pais?
Rodrigo – Neste ano pretendemos lançar um serviço voltado a mães e pais de crianças com deficiência, que muitas vezes enfrentam grandes desafios para escolher uma escola que seja efetivamente inclusiva. Esse é um problema enfrentado por famílias de todas as classes sociais, das várias regiões do Brasil no exercício do direito à educação.
Pinheiros Como era e como é sua relação com o esporte, e com o Pinheiros?
Rodrigo – Durante toda a infância, fui apaixonado por futebol. Os jogos aos sábados de manhã eram o melhor momento da minha semana. Mais tarde, me tornei remador pelo Corinthians, onde competi em várias categorias. Tudo que vivi e aprendi no esporte foi fundamental para o meu desenvolvimento e me influencia até hoje.
Hoje, para manter meu corpo saudável, sigo uma rotina diária de exercícios e procedimentos que desenvolvi ao longo de muitos anos.
Também voltei a frequentar o Pinheiros recentemente para acompanhar minha esposa, Carol Velasco. Tem sido um enorme prazer criar novas amizades e relembrar os felizes anos que eu e meus primos tivemos no Clube, desde a época da escolinha da tia Lucy. Devo essa história ao meu avô, Jeferson Hübner, que nos levou a ser sócios e era um veterano apaixonado pelas alamedas do Pinheiros.
Rodrigo em foto recente no Clube com a esposa, Carol, e amigos
FOTOS: WANEZZA SOARES / DIVULGAÇÃO