“A Natação salvou a minha vida”

“A Natação salvou a minha vida”

28/01/2025 28/01/25

FOTO: DIVULGAÇÃO

Dois movimentos foram decisivos na vida de Guilherme Guido. O primeiro foi quando, aos cinco anos, começou a nadar para combater uma bronquite severa. A prática se mostrou um santo remédio. O garoto, que padecia de falta de ar e tosse crônica, logo deu sinais de melhora. Aos sete anos, havia vencido o mal. Nessa altura, não só mostrava gosto pelas braçadas como a água azul das piscinas se transformara em seu elemento natural. O menino doente se convertera em esportista promissor.

Aos 15 anos, ganhou o primeiro título brasileiro na modalidade em que se especializou: o nado de costas. O feito lhe valeu o convite para ser atleta do ECP. O sim foi o segundo movimento decisivo. No fio de uma trajetória de 22 anos defendendo as cores do Clube, Guilherme Guido empilhou recordes e títulos e disputou três Olimpíadas, firmando seu nome entre os grandes da Natação brasileira.

No final do ano passado, ele resolveu se aposentar das piscinas para poder se dedicar a um novo desafio: foi eleito vereador em sua cidade natal, Limeira (SP), pelo Partido Liberal (PL). Sua plataforma é levar o esporte e seus benefícios à população de baixa renda, tendo como base os projetos sociais que desenvolve há anos na cidade. A seguir, um resumo de sua conversa com a revista Pinheiros.

Pinheiros O que o levou a se aposentar das piscinas? 
Guilherme – A ideia original era me aposentar apenas das provas olímpicas, de piscina longa (50 metros), depois dos Jogos de Tóquio, que iriam acontecer em 2020, e continuar disputando as competições de piscina curta (25 metros). Sempre fui um nadador de força, explosão, sempre fui melhor em piscinas curtas. Com a idade — em Tóquio eu teria 33 anos —, as provas de piscina longa começam a pesar mais. Mas aí veio a pandemia e os Jogos de Tóquio acabaram acontecendo em 2021, o que encurtou o ciclo olímpico, o período até as Olimpíadas seguintes, de Paris. Então resolvi permanecer na ativa, atingi o índice olímpico, disputei Paris e, depois, resolvi me retirar definitivamente das piscinas. Mas vou continuar defendendo a Natação e o esporte, como já vinha fazendo.

Pinheiros Muitos atletas costumam entrar em crise depois da aposentadoria. Como está sendo esse período para você?
Guilherme – Venho trabalhando essa transição já faz alguns anos. Não foi uma mudança brusca. Conheço colegas que sentiram, sofreram com esse momento da parada. Mas, para mim, vem sendo tranquilo.

Pinheiros A decisão de parar teve a ver com a questão física?
Guilherme – Foi uma das variáveis, sem dúvida. Mas acredito que se você mantém a cabeça competitiva, se a sua prioridade é continuar no esporte, o corpo responde independentemente da idade. A história da Natação está cheia de casos de atletas que se mantiveram ativos numa idade considerada avançada. Isso é um fato. No meu caso, a decisão teve a ver com a chegada de novas demandas. A verdade é que eu já não conseguia me dedicar 100% à Natação.

Pinheiros Você disse que quer continuar defendendo a Natação e o esporte, coisa que você já faz na sua cidade natal, Limeira (SP), onde você mantém diversas atividades.
Guilherme – Isso mesmo. Tenho uma academia, a maior da cidade, com cerca de mil alunos, cujo foco principal é a Natação infantil. Promovo um campeonato de Natação, que leva o meu nome e que já está na oitava edição. É um dos maiores do País. Em um dos anos, tivemos mais de 600 atletas participando. Mantenho um projeto social que atende 200 crianças carentes. Elas têm aulas de Natação de qualidade e recebem todo o material esportivo para a prática. Algumas dessas crianças já estão disputando o Campeonato Paulista e logo estarão no Brasileiro. Também abri um centro histórico, que reúne as minhas medalhes e objetos ligados à minha trajetória na Natação. São mais de 800 medalhas e itens como a tocha olímpica da Rio 2016, que carreguei quanto a chama olímpica passou por Limeira. Sou também embaixador das Olimpíadas Especiais, voltada aos atletas PCDs. Então atuo em todas essas frentes que citei e também na mais nova delas: fui eleito vereador, tomei posse agora no começo do ano. A minha plataforma é o esporte, mostrar como ele pode transformar a vida das pessoas. Sou o melhor exemplo: comecei a nadar numa piscina pública de Limeira e terminei disputando três Olimpíadas.

Pinheiros O que você pretende fazer na prática como vereador?
Guilherme – A ideia é potencializar o esporte na cidade e oferecê-lo principalmente às crianças das famílias mais vulneráveis. Limeira tem 16 piscinas públicas, número maior do que o de São Paulo. Temos 15 centros comunitários esportivos. A questão é que a maioria desses equipamentos está deteriorada. Quero recuperá-los e dar acesso à população, em especial às crianças. Serei a voz do esporte no Legislativo. Vou estar 100% focado nisso. Até porque os meus outros projetos já andam em velocidade de cruzeiro.

Pinheiros Você começou a nadar cedo. Como a Natação entrou na sua vida?
Guilherme – Foi indicação médica. Eu sofria de bronquite, tinha crises muito fortes. Acordava à noite com falta de ar, tossindo muito. O pediatra indicou a Natação como forma de combater a doença. Comecei nadar aos 5 anos, as crises foram ficando cada vez mais espaçadas, fui melhorando. Até que, dos 7 anos em diante, nunca tive mais nada. A Natação salvou a minha vida.

Pinheiros E o que deu o clique para você querer ser nadador?
Guilherme – Foi a melhora da minha qualidade de vida. Queria fazer mais do que me fazia bem. Claro, teve a questão da aptidão, que mostrei logo cedo. Aos 10 anos ganhei o Campeonato Paulista e, aos 15 anos, o meu primeiro Brasileiro. Foi quando recebi o convite para ser atleta do ECP e vim morar em São Paulo.

Pinheiros No início da sua carreira houve uma certa rivalidade esportiva entre você e o César Cielo. O quanto é importante esse tipo de disputa na formação de uma atleta?
Guilherme – É fundamental. É assim que você sai da zona de conforto e se desenvolve. Tem rivais que são determinantes para o seu progresso. Gosto de competir. A rivalidade é um ótimo combustível. É difícil encontrar um atleta de alto rendimento que não goste de competição.

Pinheiros E também tem um outro incentivo importante, que é o gesto do ídolo, não?
Guilherme – Você se refere à vez que pedi a touca do Aaron Peirsol (norte-americano multicampeão, especialista no nado de costas), né?

Pinheiros Sim, você pode relembrar essa história?
Guilherme – Com 17 anos disputei o meu primeiro Campeonato Mundial, em Indianápolis, nos EUA. Na semifinal dos 100 metros costas, nadei na raia ao lado da raia do Piersol, que então já era o cara. Nessa prova ele bateu o recorde mundial. O estádio veio abaixo, ele comemorando e eu ali do lado na água. Até que criei coragem, o cumprimentei pela marca, disse que era fã dele, e perguntei se ele poderia me dar a touca que estava usando de recordação. O Piersol fez um gesto de joia com a mão, saiu da piscina e sumiu na confusão. Pensei: imagina que ele vai se lembrar do que pedi… No dia seguinte, ele foi até o alojamento do Brasil, me procurou e me deu a touca. Não acreditei no gesto. Essa touca ficou guardada um tempão e hoje está exposta lá no centro histórico. A partir daquele dia, o Piersol virou o meu modelo, o que almejava como atleta, um superincentivo. Por isso, as minhas medalhas no centro histórico estão à disposição do público. As pessoas podem pegar, sentir o peso. Minha esperança é que esses objetos que representam conquistas, assim como a touca do Piersol, inspirem, principalmente as crianças.

Pinheiros Qual é a importância do ECP na sua trajetória esportiva?
Guilherme – Foi determinante para chegar aonde cheguei. Quando vim de Limeira, aos 15 anos, o ECP oferecia uma estrutura que nenhum outro clube no Brasil era capaz de oferecer. E é assim até hoje. Contava com uma equipe multidisciplinar composta por psicólogo, massagista, fisioterapeuta, assistente de treino, treinador, nutricionista, analista biomecânico. Os melhores técnicos, os melhores nadadores estão aqui. O sarrafo é alto, a competição é grande e isso ajuda demais. O grande acerto da minha carreira foi ter aceitado o convite do ECP. Recebi propostas para treinar por outros clubes e nunca aceitei. Meus filhos estudaram aqui, cresceram aqui. O ECP me acolheu, assim como acolheu a minha família. Foram 22 anos vestindo a camisa do ECP com muito orgulho. Hoje estou morando em Limeira, mas sempre que visito São Paulo venho ao Clube. É a minha segunda casa. O meu filho mais velho tem 12 anos, já está nadando, competindo e conquistando os primeiros resultados. Quem sabe a história não se repete e ele vira atleta do ECP. Seria um prazer ver o meu filho defender as cores que já defendi.

Pinheiros Você participou de três olimpíadas. Que tal a experiência?
Guilherme – É um sonho realizado. É a hora em que você percebe que valeu a pena abrir mão de certas coisas para viver esses momentos. É o maior evento esportivo do mundo. Todos os seus ídolos estão ali. Você está junto dos melhores do mundo. É aonde eu sempre quis chegar.

Pinheiros Oitocentas medalhas, dezena de recordes, seis deles em vigor, 21 títulos brasileiros. Olhando em perspectiva, quais momentos você elege como inesquecíveis em sua carreira?
Guilherme – O bronze no mundial de Istambul, na Turquia, que significou um novo patamar na carreira. O ouro e o recorde no 4 x 100 durante o Campeonato Mundial, em Doha, em 2014. E quando obtive o índice para participar da minha primeira olimpíada, em Pequim. Foi numa prova do Sul-Americano disputada no EPC, em 2008. Estava em casa. Comemorei com a família e os amigos.

Pinheiros O que o esporte lhe ensinou?
Guilherme – A ter disciplina e resiliência. Ambas aplico em tudo o que faço.

FOTO: CAROL COELHO/ECP

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