Treinadora do Vôlei de Praia do Pinheiros, Letícia Pessoa, que se prepara para sua quarta Olimpíada, quer aproveitar cada momento em Paris — e voltar com medalha
É com gratidão e vontade de desfrutar que a técnica Letícia Pessoa vai este mês para sua quarta Olimpíada, liderando a dupla Bárbara Seixas e Carol Solberg.
Aos 59 anos, a treinadora começou jogando Vôlei nos anos 1990. Em 1994, comandou Isabel Salgado (1960-2022) e Roseli Timm, primeira dupla brasileira a vencer uma etapa do Circuito Mundial de Vôlei de Praia. Desde então, conquistou três medalhas de prata olímpicas: duas com Adriana Behar e Shelda (Sydney 2000 e Atenas 2004) e uma com Alison e Emanuel (Londres 2012).
Agora, a oportunidade de ir às Olimpíadas de Paris — que está sendo chamada de Olimpíada das Mulheres, pois terá a maior participação feminina da história — é especial em diversos sentidos. Além de adentrar um panteão seleto, ela vai como treinadora de Carol, a filha de Isabel, que “pegou no colo”, como afirma.
Letícia conversou com a revista Pinheiros à beira do Complexo de Areia do ECP.
Pinheiros Você está indo para sua quarta Olimpíada. Como é o sentimento dessa vez?
Letícia – O frio na barriga é maior, e a vontade de desfrutar, também. Na primeira Olimpíada, o sentimento era de nervosismo. Agora é um frio na barriga de mais maturidade e serenidade. Você entende o tamanho que aquilo tem. Estou com muito mais vontade e muito mais feliz, por essa ser a Olimpíada das Mulheres e por disputar os Jogos ao lado da Carol. Isso me faz sentir grata.
Pinheiros Sente diferença, do ponto de vista da participação feminina, entre sua primeira Olimpíada e essa?
Letícia – Muita. Eu tive a sorte de começar ganhando. Com 18 anos, já era técnica do Vôlei do Fluminense mirim e juvenil, e iniciei com títulos. O espaço existe para quem faz resultado logo, mas ninguém dá espaço para uma mulher se não for assim. Ou, ao menos, ninguém dava. Eu conquistei o meu, mas quantas mulheres não conseguiram? Outro dia mesmo conheci uma fisioterapeuta da minha idade que tem três filhos e queria trabalhar com atletas de alto rendimento, mas não pôde, porque um marido tirou isso dela. Hoje entendo essas questões com mais clareza e acho espetacular o novo momento. O mundo não está fácil, mas tem uma parte dele que evolui em direção à sustentabilidade e à luta contra o preconceito.
Pinheiros Existe algum momento mais tranquilo em uma Olimpíada, ou uma vez que pisou no avião a tensão domina?
Letícia – Olha, dessa vez estou indo pra curtir todas as situações. Claro que vou pensando em medalha, mas, ao mesmo tempo, quero desfrutar. O técnico em geral não fica tranquilo nunca, nem na abertura, mas dessa vez quero aproveitar tudo. Por outro lado, os adversários são difíceis, este é um ciclo muito equilibrado. Em uma Olimpíada, não tem esse negócio de favoritismo. Como bem diz uma amiga, nos Jogos, leão vira gatinho e gatinho vira leão. Então, vai dar frio na barriga o tempo todo. Mas o que nos traz segurança são o trabalho e a união. Esse time tem os valores olímpicos sedimentados: respeito, amizade, igualdade.
Pinheiros Como lida com a cobrança por medalhas?
Letícia – O brasileiro cobra bastante. Na última Olimpíada, o Vôlei de Praia não trouxe medalha, e estamos sendo cobrados por isso. Mas os adversários ficaram mais fortes. Os europeus chegaram com uma estrutura imensa, tanto de dinheiro quanto de uma geração que começou a aprender conosco. Os técnicos da França, China, Áustria e Canadá são brasileiros, e um dos técnicos dos Estados Unidos também. E o esporte em si cresceu. Então eu vou para medalha, mas já fico feliz por saber o quanto foi difícil essa classificação. É um esporte duro, pois não tem atletas reservas. A Carol é mãe de dois filhos, nosso time não é alto, e a maioria das duplas tem quase dez anos a menos que a nossa. Mas acredito que a gente tenha feito do limão uma limonada muito boa. Soubemos ficar juntas nos momentos difíceis e celebrar juntas quando alcançamos alguma coisa boa.
Pinheiros Desfrutar é o mote, então?
Letícia – Exatamente. Uma das coisas que aprendi nesses ciclos foi que a gente não é máquina. Muitas vezes eu curti pouco, inclusive na primeira medalha acho que curti menos do que deveria, tive uma sensação de derrota porque éramos favoritas ao ouro, quando na verdade a prata já era algo enorme. É um amadurecimento constante.
Pinheiros A essa altura, ainda há o que treinar, ou o trabalho é mais psicológico?
Letícia – Tem algumas mexidas táticas, mas poucas. O que funciona agora é a cabeça e o físico estarem bem. E acho que a gente está conseguindo isso. Estou sentindo as duas felizes e sem medo. Até porque a gente não tem tanta responsabilidade, já que a maioria das pessoas não apostou nesse time. Mas nunca deixamos de acreditar em nós mesmas.
Pinheiros O que a areia representa para você?
Letícia – É minha casa, o lugar que escolhi. Quando resolvi ser técnica, foi por causa de um técnico que tive. Jogava Vôlei, e ele falou que eu tinha talento para liderança. Na época, eu queria ser técnica de golfinho, queria fazer oceanografia! Mas não tinha esse curso no Rio de Janeiro, só em Recife. Acabei fazendo faculdade de educação física no Rio, e dali comecei. Então esse é o lugar que me deu tudo. Pude me sustentar, o que nem sempre é fácil no Brasil. Sem falar nos amigos e afilhados… Na areia, fiz uma vida. E é algo que dá alegria para toda minha família. Minha irmã é enfermeira e meu irmão é advogado, mas minha mãe nunca pergunta como estão os pacientes dela ou os clientes dele da mesma forma como acompanha meu desempenho. Só tenho a agradecer, inclusive pela oportunidade de treinar a Carol, que peguei no colo.
Pinheiros Como vê o cenário de formação de novos talentos no Vôlei de Praia?
Letícia – Acho que a gente deu uma caída, e até a Olimpíada passada mostrou isso. Em uma reação, alguns clubes começaram a se interessar pelo Vôlei de Praia. A gente disputa com as universidades dos Estados Unidos, onde o campeonato universitário passa na televisão. A única chance de rivalizar com isso é fomentar o esporte em colégios e clubes. Se a gente fomentar, vai ver nascerem muitos talentos. E amanhã a gente vai poder competir. Mas ainda são poucos lugares que fazem isso da maneira como o Pinheiros está fazendo.
Pinheiros E o que você sonha construir aqui, no Pinheiros?
Letícia – Quero fazer o Vôlei de Praia ter um nome forte no Pinheiros. Montar uma categoria de base, e, daqui a oito anos, ter um atleta olímpico formado no Clube. Isso é 100% possível. É um lugar que dá a mão para a gente, percebo um apoio muito grande do presidente Carlos Brazolin, da mulherada do Vôlei. A gente criou vínculos e me sinto acolhida. Técnico é um bicho que repara nos detalhes, e os detalhes, no Pinheiros, mostram uma enorme grandeza.
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