Entrevista com AutorEntrevista com Autor

Entrevista com Autor

Pausa Literária

31/01/2023 31/01/23

O bate-papo com o escritor Walter Weiszflog foi delicioso. Entre uma prosa e outra, o autor do livro 13 desencontros e um epílogo revelou como transforma em contos suas ideias e sonhos, levando ao leitor vivência, deleite e fatos fictícios, mas verídicos em sua essência. Relata ainda, de maneira sutil, real e com uma pitada de humor, o dia a dia de pessoas conhecidas ou não, transformando-as em fiéis personagens e companheiros, sem revelar suas identidades, é claro.

Depois das graduações em direito e história, seu verdadeiro talento despontou para a escrita, e por 35 anos foi editor de livros infantis, juvenis, dicionários, livros de culinária, entre outras publicações, até chegar a ser diretor de editora. De tanto ler histórias e editar textos, aos 70 anos, resolveu assumir o lado escritor e colocar no papel os relatos ouvidos até então.

Descendente de alemães, Walter nasceu em São Paulo, e hoje, aos 77 anos, dedica-se também ao cargo de diretor-adjunto de Música do Pinheiros. É cantor lírico, e um de seus maiores prazeres é frequentar o Clube, que considera o quintal de sua casa. Todos os dias pratica atividades físicas, se reúne com amigos e senta num banco qualquer para observar pessoas, verdadeiras inspirações para a criação de suas histórias.

Nas próximas linhas, um pouco mais sobre o bate-papo com o autor.


Conte um pouco sobre o livro 13 desencontros e um epílogo

Procurei juntar as histórias, observando pessoas no Clube. Misturei rostos e silhuetas de amigos e de desconhecidos, dei novos nomes aos personagens imaginando cenas possíveis em tantas vidas. Os personagens foram ganhando vida própria, às vezes invadindo outras histórias.

Qual foi a sensação de ter seu primeiro livro publicado?

Alívio, sensação de que consegui terminar algo. Há momentos em que se torna um sofrimento, chega uma hora que a coisa enguiça, não vai…

Tem intenção de escrever outros gêneros literários? Quais são seus planos para o futuro dentro da literatura?

Não quero fazer romances, eu gosto desses flashes rápidos, contos curtos, contar uma fatiazinha do dia a dia. Nos contos você tem que encontrar alguma coisa que surpreenda, achar uma revelação. Esse é meu estilo. Tem que ter uma introdução em que você faz o leitor pensar uma coisa, e no fim é outra completamente diferente.

“Tudo começou no jardim” é o conto desta edição e que fará parte de um projeto em desenvolvimento.

Tudo começou no jardim

O sol brilhava, e o dia estava quente. As nuvens ainda não haviam coberto o céu – um céu tão limpo e azul que muito tempo depois viria a ser chamado de “céu de brigadeiro”. Aquela manhã realmente estava esplêndida, com uma leve brisa perfumada pelas muitas flores que desabrochavam no jardim.

Ele caminhava sem rumo. O peito aberto a respirar o ar puro e a pele acariciada pelo sol e pela brisa. Seus pés descalços pisoteavam relva e flores, o que lhe transmitia sensações agradáveis e pequenas surpresas, como a sensação prazerosa da água fria do riacho ou as cócegas que os seixos redondos produziam.

A colina se estendia a perder de vista, suavemente ondulada. Aqui e ali, tufos de gramíneas, arbustos floridos e, mais adiante, a sombra das grandes árvores, quase no limite do jardim…

Grandes aves planavam em círculos e passarinhos saltavam nos galhos das árvores ciscando as frutas maduras. Alguns animais pastavam na relva, outros corriam livres pelo jardim.

Uma harmonia perfeita em toda a natureza. Nada parecia indicar que um dia tudo haveria de mudar, e tão de repente…

Ao pé da colina, na pequena depressão plana, a relva era mais verde e vigorosa, talvez pelo aporte das águas do riacho que chegavam ali em cascatas. E havia também a sombra das árvores carregadas de frutos de todas as cores que naquela manhã brilhavam sob a luz intensa.

Ao se aproximar daquele oásis convidativo, o homem viu a mulher sentada debaixo de uma das árvores. Parecia falar. Sozinha? Ele não podia ouvir as palavras, via apenas os meneios da cabeça e a boca a sorrir. Era a primeira vez que a via daquele jeito. Sentou- -se sobre uma pedra grande, com o corpo esbelto alongado ao sol, sem pressa, apenas aguardando que ela o visse.

A mulher estava reclinada contra o tronco de uma das pequenas árvores, cuidadosamente à sombra para se proteger dos raios solares que ameaçavam sua pele delicada, protegida apenas pelos cabelos que se esparramavam pelo corpo nu.

Ela lançava olhares ao redor, como se algo a preocupasse. Num momento, olhou furtivamente para cima, para os galhos carregados de frutos redondos e vermelhos. Um deles balançava com insistência, fazendo dançar um belo fruto quase ao alcance de suas mãos.

Então ela ouviu um sussurro:
– Eva, olhe esta fruta saborosa!
A mulher olhou à volta, surpresa com aquela voz.
Eva… O que seria isso? Quem estaria falando?

A pequena voz insistia:
– Eva é o seu nome. Um nome que a torna ainda mais bonita. A mulher estremeceu. Um nome? Para ela? Outra surpresa. Bonita? Podia ser? Nunca havia pensado nisso. Também, se comparar com quem, com ele? Olhou à volta, não havia mais ninguém no jardim, apenas o homem sentado ali na pedra grande.

E novamente:
– Eva, coma esta fruta saborosa. Você vai ficar inteligente e saber de todas as coisas. Ela olhou para cima e, entre as folhas, viu a serpente verde deslizando sobre um galho. Balançou a cabeça com firmeza. Não, não podia ser! Aquela era a fruta proibida. Eles tinham sido avisados ao entrar no jardim. Não, não e não!

– Eva, veja só, você parece estar preocupada! Deixe disso, olhe como a fruta é bonita. Sua pele vai ficar assim, lisa e brilhante. Ela ainda resistia. Nervosa, olhou para o lado para ver se ele a estava observando. Mas o homem parecia despreocupado, quase a cochilar no calor benfazejo do sol. Bem que ele poderia vir para o lado dela e ajudá-la a tomar uma decisão, pensou.

A mulher criou coragem, olhou para cima e, num fio de voz, perguntou:
– Quem é você? – Eu sou uma amiga; eu sou Lilith, a tentação. Você parece estar com medo. Chame o Adão para vir para cá. Adão? Então ele também tinha um nome? Sempre se falaram sem precisar de nomes. Mas a ideia a agradou. Resolveu fazer uma surpresa e chamá-lo pelo nome! Levantou um braço e fez um longo aceno. Ele logo compreendeu que ela queria que ele se aproximasse. Levantou-se da pedra, esticou todo o corpo e lentamente caminhou em direção à mulher. Deitou-se na relva aos pés dela e ficou olhando seu belo corpo.

Eva, sorrindo, perguntou:
– Você gostou da sombra desta árvore, Adão? Adão? Ele revirou os olhos para ela sem compreender.
– Nós agora temos nomes, eu sou Eva e você é Adão! Não é bom?
– Adão? Eva? Para quê?
– Ah, isso é coisa da minha amiga Lilith, ali em cima.
– Lilith? Adão olhou para cima e viu a grande serpente que, enroscada no tronco da árvore, parecia lhe sorrir. Lilith torceu-se mais um pouco, como um rebolado para Adão, e se esgueirou ao longo do galho mais próximo. Sibilou estridente e, com a bocarra, deu um puxão mais forte no galho. O fruto redondo balançou no ar e foi cair no colo da mulher. Ela o pegou e o acariciou com ambas as mãos, sentindo a casca lisa e aspirando o doce perfume… Lilith sorria e olhava um e outro.

Finalmente, com voz melodiosa, atacou:
– Eva, coma a fruta, sua boba. Emagrece! E você será linda para sempre… Eva não resistiu e deu uma boa dentada na fruta vermelha. A maçã! O suco escorria pelos cantos de sua boca. Ela mastigava e sorria para o homem. Adão estendeu a mão, e Eva lhe entregou a metade da maçã. Ele deu uma dentada violenta e quase se engasgou com as sementes. Adão abriu bem os olhos e, com nova energia, se esgueirou para junto dela.

Deu-lhe o primeiro beijo. Depois, como que satisfeito, deitou-se de costas sobre a relva macia e os braços abertos. Fitava o alto a sorrir, como se tivesse descoberto um novo prazer, uma energia que vibrava em seus membros. As primeiras nuvens brancas cruzavam o céu… Eva sentiu um calor diferente a lhe percorrer todo o corpo. Aconchegou-se ao corpo quente do homem. Depois voltou o olhar para cima.

Queria agradecer à amiga. Mas Lilith já havia deslizado para o topo da árvore e não se interessava mais por eles. Outras artimanhas haveria de fazer. De repente nuvens negras surgiram no céu e se ouviu o estrondo de um trovão e o som estridente de uma trombeta.

Eva estremeceu, endireitou-se e se afastou um pouco do homem, como se quisesse vê-lo melhor. Olhou-o longamente. Pela primeira vez o via em toda a sua nudez. Sentiu-se nua também. Hesitante, puxou os cabelos para cobrir os seios, como se buscasse proteção. Depois, franziu o cenho e disse:
– Huummm, Adão, essa sua barriguinha…