“Meu sonho é ver meu caçula na F1”

“Meu sonho é ver meu caçula na F1”

21/08/2024 21/08/24

Emerson Fittipaldi celebra a vitória no GP Brasil de 1974, em Interlagos

Emerson Fittipaldi tem um sonho: ver seu filho na Fórmula 1. Aos 77 anos, ele é um dos pilotos mais vitoriosos da história brasileira, bicampeão da Fórmula 1 (em 1972 e 1974), campeão da Fórmula Indy (1989) e um precursor que abriu caminho para compatriotas nas principais categorias do mundo.

É inspirador lembrar seus feitos. Primeiro brasileiro a ser campeão mundial na Fórmula 1 e na Fórmula Indy, um dos quatro campeões da história nas duas categorias, o primeiro no País a ganhar as 500 Milhas de Indianápolis, primeiro a ter uma equipe na F1; enfim, o sobrenome mais forte do automobilismo brasileiro.

Emerson, que frequentou o ECP nos anos 1970, falou com a revista Pinheiros de Soiano del Lago, na Itália, dias antes de vir ao Brasil e visitar o Clube com os familiares durante a Festa Junina — a primeira da vida de seus filhos com a esposa, Rossana, cuja família é associada do ECP há décadas.

Pinheiros Qual o significado do esporte na sua vida?
Fittipaldi – O esporte fez tudo na minha vida, por isso é tão legal conversar com a revista Pinheiros. O Clube é, de longe, o que mais faz atletas que representam o Brasil em Olimpíadas. Sou associado do Paulistano desde os 6 anos, mas esse clube, apesar de ótimo, não tem a mesma capacidade. O objetivo olímpico do Pinheiros é lindo.
A família da minha mulher tem uma ligação muito forte com o Pinheiros desde a época do seu Osvaldo Fanucchi, avô da Rossana, quando o Clube ainda se estendia até o rio Pinheiros. Meus filhos cresceram aí, meus sobrinhos jogam Vôlei e Basquete, e minha mulher, minha cunhada e meu sogro são associados. Então a família já está na quarta geração de pinheirenses.

Pinheiros E como é sua relação com os esportes?
Fittipaldi – Adoro ver todos os esportes e sempre gostei de praticar os que têm mais movimento e aerodinâmica, como esqui, slalom e wakeboard. Hoje, jogo paddle e faço academia todo dia. O Pinheiros tem uma academia fantástica, uma das melhores do Brasil. Sem falar na Pista de Atletismo. Corri muitas voltas no “oval” do Clube nos anos 1970, com o Abílio Diniz.

Pinheiros Neste ano completam-se 50 anos do seu segundo título na Fórmula 1, em 1974. Qual a lembrança que ficou?
Fittipaldi – Aquele título foi fruto de uma decisão muito importante que tomei no ano anterior, em 1973, de ir para a McLaren. À época, a Philip Morris, que era minha patrocinadora, pediu para eu ir à Inglaterra escolher uma equipe para correr. As opções eram a Brabham, do Bernie Ecclestone, a Tyrrell e a McLaren, que até então nunca tinha vencido o mundial.
Lembro que fui visitar a fábrica da McLaren e os mecânicos e profissionais eram todos neozelandeses e muito jovens. Senti uma identificação, aquele mesmo sentimento de um atleta que sai de um continente para morar em outro. Quando você larga família e amigos e vai para tão longe, o compromisso e o esforço são maiores. Eu tinha passado por isso na minha vida e senti o mesmo dos jovens neozelandeses da McLaren que migraram para a Inglaterra, aquele senso de sacrifício em nome de um título mundial. Então entramos juntos. Foi uma decisão de muita responsabilidade, sair da Lotus, que era vencedora, e escolher outra equipe.
No fim deu certo, e agradeço a Deus todo dia pelo que fez na minha vida.

Pinheiros Qual era o tamanho da aventura para um brasileiro ir para a Europa no fim dos anos 1960 tentar a vida nas pistas?
Fittipaldi – Era uma época muito, muito diferente. Nos anos 1960, eu estava aqui com meu irmão Wilson construindo carros, fizemos o Porsche mais rápido do Brasil, e sempre tive esse sonho de ser campeão mundial de Fórmula 1. Era algo inocente, nem pensava nas dificuldades. Em dado momento vendi uma picape Chevrolet e outros dois carros, e comprei um Fórmula Ford. Aí veio o sacrifício: o cara que preparava o motor era muito caro, então durante a semana eu trabalhava nos carros dele, lustrando escapamentos e limpando entradas de ar, e ele me dava o motor em troca no fim de semana.
Tive sucesso rápido. Depois de três ou quatro corridas, o Jim Russell me chamou para a Fórmula 3. Entrei com uma Lotus semioficial no campeonato inglês que tinha os caras top e era observado pelas equipes de Fórmula 1. Tive um carro muito bom, um mecânico excelente, entrei em julho e até outubro ganhei o campeonato. Fiz só metade das corridas, 11 provas, e ganhei 9. Isso chamou a atenção, ficou todo mundo se perguntando quem era aquele brasileiro que mal chegou e já estava ganhando. 

Pinheiros E como foi a transição para a Fórmula 1?
Fittipaldi – O Frank Williams me ligou, ainda no meu primeiro ano na Europa, e falou que queria que eu guiasse para ele. E o Colin Chapman, dono da Lotus, me ligou, também. Era como a Red Bull hoje, estava dominando o mundial. Eu tremia quando cheguei no escritório dele, e ele falou que queria que eu guiasse na Fórmula 1 já na temporada seguinte. Respondi que ainda não tinha experiência suficiente e que seria melhor começar em julho, ou seja, um ano depois que cheguei na Europa. Ele topou, e eu tive muita sorte de ter muita gente boa comigo. Em qualquer esporte, mesmo individual, você não faz nada sozinho.

Pinheiros O automobilismo continua no DNA da família?
Fittipaldi – Tenho dois netos que são pilotos, ambos filhos da minha filha mais velha, a Juliana. O Pietro tem 28 anos e está na Fórmula Indy. E o Enzo tem 22 anos e está na Fórmula 2. E meu filho com a Rossana, o Emerson Jr., tem 17 anos e está fazendo a Eurocup 3, uma categoria antes da Fórmula 3. Meus outros filhos nunca quiseram correr.
O Emerson Jr. tem DNA de corrida de automóvel vindo das duas famílias, pois os Fanucchi têm longa tradição nisso. Seu Osvaldo, avô da minha esposa, foi o primeiro a importar um Porsche no Brasil e a correr com ele. A família da Rossana correu antes dos Fittipaldi. Lembro que em 1953 eu tinha 6 anos, e meu pai pegou na minha mão em Interlagos e falou “Filho, tem um Porsche aqui, vamos lá ver”, e era o carro do seu Osvaldo.

Pinheiros Você disse certa vez que um piloto tem o compromisso de acelerar. “Se fosse pra pensar no risco, era melhor assistir pela televisão”, você dizia. Ainda pensa assim, vendo filho e netos correrem?
Fittipaldi – O risco na minha época era muito alto. Hoje em dia, as pistas são muito mais seguras, as equipes de resgate são supercompetentes, os carros são de fibra de carbono, cápsula de segurança, capacete, macacão antichamas. Sempre há risco, mas hoje ele é muito menor do que quando comecei a correr. O risco deles em uma autoestrada, hoje, é maior que em um carro de corrida. De quando comecei a correr até parar, perdi 37 colegas. Agora, desde o Ayrton até hoje, morreu só um piloto na Fórmula 1. Hoje está muito melhor. Só fico preocupado quando chove, por causa da visibilidade.

Pinheiros O torcedor brasileiro ficou mal-acostumado com o sucesso de seus pilotos? Além de você tivemos Piquet e Senna.
Fittipaldi – Pois é, o Brasil teve sorte, uma fase fantástica. A gente fez parecer mais fácil do que era, na realidade, ser campeão. Fora eles, no começo teve meu irmão Wilson, o José Carlos Pace, Chico Landi e tantos outros pilotos, inclusive mais recentes, como o Felipe Massa e o Rubinho Barrichello. Eu particularmente fui muito inspirado pelo seu Chico Landi, o primeiro brasileiro a correr de Fórmula 1, e por nosso amigo argentino, o maestro Juan Manuel Fangio. No automobilismo, ao contrário do futebol, sempre fomos amigos, nada de guerra. Eu era o maior fã do Fangio. Outro dos melhores amigos que tive na Fórmula 1 foi o Carlos Reutemann, também argentino.

Pinheiros Tem alguma vitória da qual você se orgulha mais na carreira?
Fittipaldi – Tenho duas. Uma foi a vitória que me deu o primeiro título mundial, em Monza, na Itália, em 1972. E a outra foi a primeira vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, em 1989.

Pinheiros E tem alguma corrida que você gostaria de correr de novo, se pudesse?
Fittipaldi – Queria correr de novo em Mônaco, dessa vez para ganhar, porque duas vezes eu quase ganhei, mas não consegui. Adorava pilotar lá, uma pista que exige um estilo de pilotagem agressivo, mas muito preciso. Sempre larguei bem em Mônaco, mas não deu certo.

Pinheiros Como foi passar os 30 anos da morte do Ayrton?
Fittipaldi – Foi um momento em que o Brasil e o automobilismo mundial perderam um dos grandes mestres. E eu perdi um amigo que conhecia desde adolescente. Quando testava os carros da Copersucar, em Interlagos, o pai dele, seu Miltão, vinha com o Ayrton ver. Ele todo acanhado, 15 anos de idade, no canto da garagem, e eu falava: “Ayrton, entra aqui, vem ver o carro de perto”. Ou seja, acompanhei ele desde o começo, e a última vez que falamos foi no Grande Prêmio do Brasil, pouco mais de um mês antes do acidente. Era muito amigo. Tentei levá-lo pra Indy, não deu certo, mas adorou o carro, e teria sido um sonho pra mim. Ele teria sido campeão com certeza, questão apenas de se adaptar. Mas não deu.

Pinheiros Outra amizade célebre que você teve foi com o George Harrison.
Fittipaldi – Acho que pouca gente sabe que o George era apaixonado por corridas antes da música. Ele era de Liverpool, e em 1954 e 1955 o GP da Inglaterra foi em Liverpool. O pai dele era motorista de ônibus e, no domingo da corrida, pegava a família e ia ao autódromo ver a corrida. Então ele cresceu vendo Fórmula 1. Depois o pai dele deu a guitarra de presente, mas o primeiro amor foram os carros. Eu o conheci no GP da Inglaterra, em 1972, ele veio conversar comigo no box. Fomos muito amigos até ele ir embora.

Pinheiros Qual seu maior sonho?
Fittipaldi – Ver meu filho na Fórmula 1. Como pai, como atleta e como brasileiro, pois estamos sem um brasileiro [na categoria] há muitos anos. E gosto de construção de carros, sonho fazer um carro de rua.

Pinheiros Uma mensagem final para a comunidade pinheirense?
Fittipaldi – Os associados do Pinheiros têm muita sorte, porque esse é o clube que oferece maior quantidade de esportes com qualidade para atletas de qualquer idade ou nível. O esporte ensina muita coisa, dá sonho, dignidade, disciplina, tira das drogas, tira do celular. Se for pensar, é mais importante hoje do que era há cinquenta anos. As pessoas estão ficando curvadas e sedentárias, tem criança que não sai de casa. Então é muito valioso poder se dedicar ao esporte em um clube como esse.

Cyomara Fanucchi, Carlos Brazolin (presidente da Diretoria), José Antonio Melo e Silva, Emerson Fittipaldi e Rossana Fanucchi

Emerson Fittipaldi, Ney Roberto Caminha David e Bernardete David

Emerson Fittipaldi e os ex-presidentes da Diretoria e conselheiros efetivos: Betinho Granieri e Luís Eduardo Dutra Rodrigues

FOTO EMERSON FITTIPALDI: CORTESIA GAZETA PRESS 

FOTOS: CAROL COELHO

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