“Minha experiência de atleta apurou meu olhar jornalístico”

“Minha experiência de atleta apurou meu olhar jornalístico”

28/11/2024 28/11/24

Sou uma entusiasta da vida. Já acordo na maior agitação. Abro o olho e saio da cama pronta pra correr uma maratona!” Essa bem que poderia ser uma frase de efeito, mas é a mais pura expressão da realidade em se tratando de sua autora, a jornalista e apresentadora Glenda Kozlowski. A mulher parece que tem rodinhas nos pés. Não para. A coisa mais difícil neste fim de ano foi caçar uma brecha em sua agenda para esta entrevista. Ela topou o convite de cara, mas demorou até encontrar tempo disponível para responder às perguntas.

Valeu esperar. A seguir, essa carioquíssima mãe de dois filhos, que ama São Paulo e faz do Pinheiros a sua praia, reflete sobre o papel central que o esporte exerceu em sua vida desde muito cedo. Das arquibancadas do Maracanã a partir dos 4 anos para ver os jogos do Flamengo e do ídolo Zico, ao bodyboard na pré-adolescência, que começou na brincadeira e terminou com a conquista de cinco campeonatos nacionais e de quatro mundiais. Das competições, Glenda migrou com o mesmo sucesso para a TV. Tornou-se um dos principais nomes do jornalismo esportivo da Globo, empilhando a apresentação de programas e coberturas de várias copas e olimpíadas. Hoje se divide entre a apresentação do Melhor da Noite, na Band, programa diário que mistura jornalismo e entretenimento, com projetos variados, sempre em torno do esporte.

Pinheiros Você afirmou numa entrevista que era uma criança elétrica, com muita energia. Foi aí que nasceu a sua relação com o esporte?  
Glenda – Com certeza! Fui uma criança cheia de energia e sempre gostei muito do universo esportivo. Era feliz praticando qualquer modalidade. Fiz de tudo um pouco. Fui até a faixa laranja no Judô, joguei Basquete, Handebol, pratiquei Atletismo. Sempre fui muito curiosa para experimentar as coisas. O esporte foi uma forma natural de canalizar essa agitação, esse entusiasmo, um espaço em que eu podia usar essa energia de um jeito produtivo e desafiador. No esporte encontrei uma forma de me expressar, de competir, de me desafiar. Ele se tornou parte da minha identidade e da minha essência, meu grande mestre da vida. Respiro esporte, atividade física, vida saudável.

Pinheiros O que o esporte de alto rendimento lhe ensinou? 
Glenda – Ensinou a trabalhar em grupo, a respeitar hierarquia, a olhar para as dificuldades como uma forma de melhorar e aprender mais. Me ensinou que a frustração nada mais é do que um aviso de que é preciso mudar a rota, me dedicar mais para ser melhor. Outra coisa importante é aprender a receber críticas. O atleta de alto rendimento aprende a lidar com a cobrança. Você não enxerga a cobrança como algo pessoal, mas como algo que pode lhe tornar melhor. O esporte de alta performance me trouxe também o autoconhecimento. Conheço o meu corpo, os meus sentimentos e as minhas fragilidades. Busco o equilíbrio entre sensações, emoções e atitudes.

Pinheiros Você queria ser jogadora de Vôlei e se tornou campeoníssima de bodyboard. Queria ser atriz e acabou sendo jornalista e apresentadora. Como analisa essa capacidade de se planejar e, ao mesmo tempo, para usar uma imagem do bodyboard, deixar a onda te levar?
Glenda – Vou responder pegando carona na imagem do bodyboard: o mar é diferente a cada dia, nenhuma onda é igual a outra. Você está ali na prancha, esperando e, de repente, a onda chega. Ela parece ser boa, parece que vai te levar longe. E aí você simplesmente rema até ela. É nesse momento que a gente descobre que onda é aquela. Nunca deixei passar nada, onda nenhuma. Porque, se ela veio até mim, é porque tem algo para me ensinar. Eu pego a onda e aí entendo o que ela vai me proporcionar, tento tirar o melhor dela. Vivo a vida como se estivesse no mar pegando onda. Pode parecer um grande improviso, mas garanto que não tem nada de improviso. Quando estou na onda sou séria, metódica, não deixo ela me derrubar.

Pinheiros Você tem uma trajetória pioneira na TV: abriu caminho para ex-atletas apresentarem e comentarem esportes. Foi também a primeira narradora da Globo, fazendo a locução de esportes olímpicos nos Jogos do Rio de 2016. Que diferenciais e vantagens a experiência como atleta trouxe ao seu trabalho jornalístico?

Glenda – Foi fundamental, decisiva. A minha experiência de atleta apurou o meu olhar, deixou a minha sensibilidade aguçada. A gente sabe quando o atleta está bem, quando não está, porque já esteve do outro lado. Você viveu aquilo, entende o que está acontecendo. Numa reportagem essa experiência ajuda na hora da entrevista, ajuda a conseguir boas respostas, a contar boas histórias. E também deixa a gente mais cuidadoso com a crítica. Jornalismo esportivo é jornalismo de contexto. Se você não souber a importância daquela partida, daquele jogador, daquele último ponto, daquela braçada, se você não conhece o contexto, a sua história e sua análise vão soar vazias. Infelizmente, acho que as pessoas estão perdendo as sutilezas e o contexto das coisas, querem mais lacrar do que informar.

Pinheiros Você admitiu que a narração foi uma experiência traumática. Por quê? Como enxerga o trabalho atual das narradoras e como analisa essa conquista de espaço pelas mulheres?
Glenda – A experiência de narrar tem dois lados: o maravilhoso, de ter sido a primeira mulher narradora da TV aberta brasileira, a primeira a narrar a conquista de uma medalha do seu país na história dos Jogos Olímpicos. É legal olhar para trás e perceber a importância dessa trajetória, que, de certa forma, ajudou a abrir caminho para que outras mulheres pudessem ter esse espaço na TV. E tem o lado traumático, fruto de críticas pesadas que recebi na época. Hoje, quase dez anos depois, consigo entender que uma voz feminina causasse estranhamento numa narração. Afinal, durante quase sessenta anos de esporte na TV aberta, só tivemos vozes masculinas ao microfone. Além disso, ali nos Jogos do Rio, éramos uma equipe só de mulheres cobrindo a Ginástica Olímpica: eu, narrando, a Daiane dos Santos nos comentários e a Mariana Becker na reportagem. Foi muito duro enfrentar as críticas, mas, ao mesmo tempo, tive na época o acolhimento de muita gente: colegas e atletas, e, sobretudo, tinha segurança no trabalho que estava fazendo. Levei meses me preparando para os Jogos, estudei os esportes, os movimentos. Isso me confortava. E o que interessa é que as mulheres conquistaram esse espaço e ainda temos muito a conquistar.

Pinheiros Você ficou quase vinte e quatro anos na Globo. Cobriu olimpíadas, copas, apresentou por nove anos o Esporte Espetacular, participou da cobertura do Carnaval. Que momentos você destaca nessa trajetória?
Glenda – Ai, nunca sei o que destacar nessas horas… Mas vamos lá: a cobertura das Olimpíadas em Sydney, na Austrália, em 2000, teve um sabor especial. Porque foi a minha primeira olimpíada e porque tenho uma ligação forte com o país. Morei em Sydney e fui tricampeã australiana de bodyboard. Lembro também de uma entrevista que fiz com o Roger Federer. Ele sabia que eu tinha sido campeã de bodyboard e, no meio da matéria, começou a me fazer perguntas sobre o esporte, parecia que era ele que estava me entrevistando, muito engraçado. Teve o especial “As Matrioskas”, durante a cobertura da Copa do Mundo da Rússia, em que passei quinze dias com as mães do Neymar, do Gabriel Jesus e do Fernandinho, mostrando as impressões delas a respeito do país. E destacaria também a cobertura dos Jogos de Tóquio, em que trabalhei usando somente o meu celular para registrar os bastidores dos atletas brasileiros, das suas famílias e da torcida.

Pinheiros Você é flamenguista e nunca fez do clube do coração um segredo para o público. Você consegue não se deixar levar pela paixão clubística quando está cobrindo Futebol?
Glenda – Quando era atleta, as pessoas já sabiam que eu era flamenguista. Então não vi sentido em esconder essa informação depois que virei jornalista. Além do mais, um bom profissional sabe separar as coisas.

Pinheiros Qual é o seu maior ídolo no esporte?
Glenda – Pergunta difícil, porque conheço muita gente legal, sabe? Pra ser ídolo tem de ter muitas coisas especiais. Mas todo mundo sabe do meu amor pelo Zico. Ele ajudou a formar a minha paixão pelo esporte. As minhas primeiras lembranças em um contexto esportivo estão ligadas a ele, de ir ao Maracanã aos quatro anos para ver o Flamengo jogar. O Zico é um grande ídolo pelo jogador que foi dentro de campo. E, fora dele, é o exemplo de como um ídolo deve se comportar. O Zico é humilde, carinhoso, atencioso, generoso, divertido… É tudo de bom! Mas existem muitos outros atletas que admiro também, que me ensinaram e continuam me ensinando muita coisa.

Pinheiros E, hoje, qual é a sua relação com o esporte?
Glenda – É como sempre foi, não mudou nada. Continuo falando com as pessoas do esporte, lendo a respeito, meu estilo de vida é esportivo. A única diferença é que o programa que apresento hoje reúne entretenimento e jornalismo, não é esportivo.

Pinheiros E a sua relação com São Paulo? O Pinheiros é a sua praia?
Glenda – Amo São Paulo, sempre gostei daqui. A cidade me acolheu, conheci meu marido aqui, um dos meus filhos, o Eduardo, nasceu aqui. E tenho um carinho enorme pelo Pinheiros. O Eduardo andou pela primeira vez na Pista de Atletismo, depois jogou Basquete pelo Clube. Adoro chegar cedinho para correr na pista e depois fazer ginástica funcional. Falta praia? Falta. Mas aprendi a pegar onda na piscina também. Sou feliz aqui. Tenho o melhor dos mundos ao alcance da ponte aérea.

Fera das ondas: Glenda foi tetracampeã mundial de bodyboard na adolescência

FOTOS: ARQUIVO GLENDA KOZLOWSKI