Pausa Literária

28/04/2023 28/04/23

Para dar sequência à publicação de contos escritos pelos participantes das atividades literárias do Clube, a seção traz este mês o conto “O troféu palhaço que vai cair”, de autoria de Flávia Rodrigues.

Os interessados em fazer parte das atividades devem enviar um e-mail para administracaocultural@ecp.org.br

O TROFÉU PALHAÇO QUE VAI CAIR


Minha mãe sempre gostou de bibelôs. Nossa casa tinha muitos, ficavam sobre todos os móveis, exceto na TV, onde meu pai não permitia. Os mais preciosos estavam na cristaleira. Eram camponesas, bailarinas, cães, crianças e muitos palhaços em diversas poses. Com o tempo, a coleção diminuiu. Alguns se quebraram ou se perderam nas mudanças de endereço, outros foram dados como presentes para quem os elogiava. Eu costumava verificar os da cristaleira, meus favoritos. Às vezes encontrava um quebrado ou remendado com cola. Os palhaços remendados perdiam o brilho da porcelana e ficavam embaçados pela cola nas emendas.

Muitos anos mais tarde, eu adulta e já com neta, comprei um par de palhaços de resina para oferecer à minha mãe e saber se ela gostaria de adicioná-los à sua coleção. Eram muito simpáticos. Um tocava uma corneta enorme e tinha os cadarços dos sapatos amarrados um no outro. O outro equilibrava uma pilha de pratos coroada por um ratinho que comia uma rosquinha. Eu os guardei em minha casa esperando por uma ocasião para mostrá-los a ela. Num almoço de família em fevereiro, minha mãe teve que abrir mão de um deles.

Estávamos na minha casa. Minha neta Clara, oito anos, estava envolvida em aquarelar as folhas de papel que eu deixo sempre reservadas para ela. Ela também costuma ficar de ouvidos atentos às conversas dos adultos e consegue pintar e dar palpites ao mesmo tempo. Naquele dia estava programada a exibição da cerimônia de entrega do Oscar pela tevê. A tia Aninha estava conosco e, fanática pelo Oscar, começou a comentar da importância do prêmio, que era a consagração do talento de um ator ou grupo de profissionais da indústria cinematográfica.

Depois da sobremesa e do cafezinho, eu pedi à Clara que mostrasse as suas pinturas. Então uma ideia surgiu: os trabalhos de Clara concorreriam a uma premiação como no Oscar. Suas pinturas seriam apreciadas por um júri e uma delas seria a premiada. A própria pintora fez uma pré-seleção das que seriam inscritas: Nuvens; Nuvens Com Chuva; Palhacinho; Leão e Flor Gigante Perto da Flor Pequena.

As obras foram apresentadas ao júri e a presidente do júri era tia Aninha, que discorreu sobre as tonalidades e as pinceladas e discutiu com os outros membros do júri que ousavam discordar dela.

Enquanto o júri deliberava chamei minha mãe de lado e pedi a ela que escolhesse qual dos dois palhaços seria o prêmio, e perguntei se gostaria de ficar com o outro. Seus olhinhos brilharam.

O envelope foi aberto e anunciaram que a obra vencedora era Palhacinho. O Palhacinho piscou para Clara, que pulou de alegria.