Pausa LiteráriaPausa Literária

Pausa Literária

28/02/2023 28/02/23

Este mês, a seção publica o conto de “Milly e Fred”, do escritor Walter Weiszflog, apresentado na publicação de fevereiro. Para as próximas edições, a Revista trará novidades de outros autores para os amantes da boa leitura. Aguardem!

Milly e Fred


Nos fins de semana com sol era quase certo ver Milly e Fred na beira da piscina do clube. Eles chegavam a pé por volta das duas da tarde com aquele ar de quem havia feito um bom brunch, talvez na padaria do bairro, e merecia fazer um descanso. Iam direto aos vestiários para trocar bermuda e camiseta, ele pelo calção de banho discreto e ela, não mais por um biquíni, mas um maiô de duas peças que ainda realçava sua silhueta.

À beira da piscina buscavam as espreguiçadeiras que ficavam à meia-sombra das pequenas palmeiras fênix. Passavam um protetor solar no rosto e se deitavam para descansar. Ali ficavam lagarteando por um bom tempo, alheios aos olhares de outros usuários que invejavam o ar de felicidade do casal. Na verdade, Milly e Fred esbanjavam simpatia, tinham alguns amigos e muitos admiradores que os consideravam o casal de meia-idade perfeito do clube.

A história de Milly começara anos atrás. Ainda jovem fora casada com um procurador do estado mais velho, escolhido pelos pais, que queriam assegurar o futuro financeiro da filha. Milvânia levava uma vida pacata de classe média até o dia em que, com a ajuda de uma advogada, conseguiu um divórcio vantajoso. Livre do marido, cortou os longos cabelos que usava presos no alto da cabeça e foi fazer natação.

Essa sempre fora a sua paixão. O mergulho na piscina lhe dava a sensação de começar uma vida nova e com o destino em suas mãos. Treinou pesado, tornou-se campeã interclubes e moldou sua bela silhueta. E com a nova vida decidiu abandonar Milvânia e se tornar Milly, um nome mais jovial e moderno. Os namorados se sucediam, podia escolhê -los entre os melhores atletas, mas nenhum lhe bastava. Não queria ser presa novamente, procurava por um relacionamento mais profundo e libertador.

Um dia, ao assistir a um campeonato de tênis, conheceu Frederico. Não era exatamente um campeão, mas se destacava no jogo de duplas mistas. Charmoso, já com alguns fios grisalhos nas têmporas, era simpático e bom conversador. Aos poucos passaram da amizade ao namoro. Ele viajava muito a negócios e não exigia nada dela. Assim viveram anos de felicidade, cada um com sua vida e juntos quando queriam. Quando Fred se aposentou decidiram morar juntos, mas respeitando suas individualidades. E logo se tornaram o casal mais simpático do clube.

Naquele sábado de primavera um chuvisco interrompeu o descanso do casal. Procuraram abrigo na lanchonete da piscina e decidiram tomar uma água de coco. Na outra ponta da lanchonete uma silhueta lhes parecia familiar. Uma senhora grisalha de cabelos cortados bem curtos tomava uns goles do que parecia ser um long drink com o olhar perdido no espaço. De repente Milly a reconheceu.

— Fred, é a Maria Otília! Lembra dela? Mulher do Ottoni que sempre jogava boliche. Ela parece tão alterada.

Às quartas feiras, quando não havia nada a fazer em casa, Milly e Fred iam ao clube jogar boliche. Não se interessavam pelo jogo, era mais para conversar com as pessoas. Maria Otília ficava sentada ali com sua água mineral sem gelo, cuidando para que o marido, um entusiasta do boliche, não tomasse mais do que uma cerveja. E o Ottoni, que para compensar a miopia usava uma armação quadrada, parecida com uma tela de televisão, olhava embevecido, totalmente entregue ao jogo.

Resolveram se aproximar e conversar com a senhora solitária.

— Como vai, Maria Otília, sozinha aqui no clube? Ela levantou os olhos tristes para o casal e suspirou.

— Vocês não souberam? O Bonifácio faleceu na semana passada. O casal se entreolhou, nunca haviam ouvido o primeiro nome do marido, conhecido sempre como Ottoni.

— Eu cuidei dele por tantos anos, como se fosse o meu pet. Milly levantou uma sobrancelha e Fred fez força para não rir ao imaginar Maria Otília passeando no clube com o Ottoni na coleira.

— Ele era 19 anos mais velho e o coração falhou. Mas agora estou livre. Cortei o cabelo e estou aqui curtindo minha caipirinha. Agora é vida nova! Fred, surpreso com a declaração, procurou contornar a situação:

— Nós sempre admiramos o Ottoni, um excelente jogador. — Era a distração preferida dele. Vínhamos ao clube só para jogar boliche. Maria Otília tomou um bom gole de caipirinha e arregalou os olhos.

— Na verdade, eu sempre admirei o ar de felicidade de vocês dois. Qual é o segredo, mesmo depois de tantos anos de casados? Milly lançou um olhar para Fred, como quem procura ajuda. Fred assentiu com a cabeça.

— Maria Otília, vocês tinham um relacionamento muito próximo, não é?

— Ah, eu não largava dele por nada, dia e noite preocupada com a sua saúde.

— Mas a nossa felicidade, Maria Otília, vem do respeito e da liberdade em nosso relacionamento — disse Milly. Maria Otília pousou o copo e olhou para o casal sem compreender. Fred então explicou:

— Para um casal manter a felicidade ao longo dos anos, é preciso saber inovar para manter o encantamento da vida conjugal. Maria Otília fixou o olhar no fundo de seu copo, depois tomou um longo gole. Suas faces pareciam ruborizadas, ou pela bebida, ou pela conversa tão ousada para seus ouvidos.

— Por exemplo, Maria Otília, ao longo de todos estes anos nós temos sempre mantivemos nossas noites românticas. Uma parte importante de nossas vidas. Maria Otília arregalou os olhos como se não entendesse o que Fred dizia.

— Nós nos preparamos com esmero para as noites românticas. Vestimos uma roupa bonita, escolhemos um restaurante especial para um jantar à luz de velas. Iniciamos com champagne, um brinde olhos nos olhos. Depois escolhemos um prato delicioso e um bom vinho para harmonizar. Maria Otília sorriu aliviada.

— Que bonito, eu nunca fiz algo assim com o Bonifácio!

— Pois é muito bom, Maria Otília. E depois do jantar vamos passar a noite romântica em um motel de luxo. Maria Otília reteve a respiração. E Fred, com um sorriso simpático, completou.

— Eu saio às segundas e quintas e a Milly vai nas terças e sextas. E os finais de semana passamos juntos. Maria Otília engasgou na própria saliva, tossiu três vezes, se desculpou com um gesto e se retirou da lanchonete. Milly quis se levantar para amparar a viúva, mas ela se afastava rapidamente.

— Fred — disse Milly com ar reprovador —, você quase mata a Maria Otília. Não precisava contar tudo! E os dois caíram na risada. Depois Milly beijou Fred e se aconchegou em seus braços fortes.