A melhor campanha da história do Judô brasileiro em uma edição de Jogos Olímpicos passa pelo brilho dos atletas nos dojôs de Paris, mas também por Leandro Marques Guilheiro.
Técnico dos medalhistas individuais do Judô brasileiro, todos do ECP, ele comanda o alto rendimento da modalidade desde 2021. Antes, Guilheiro foi atleta do Pinheiros, entre 2006 e 2020, tendo ganhado pelo Clube uma medalha de bronze na Olimpíada de Pequim, em 2008, sua segunda na carreira.
Aos 41 anos, ele lidera uma equipe de dez pessoas, com treinadores, preparador físico, médicos, nutricionista e fisioterapeuta, e se orgulha do trabalho feito 100% dentro do Clube com os atletas que saíram medalhistas em Paris: Bia Souza, que levou ouro, Willian Lima, prata, e Larissa Pimenta, bronze, além de uma medalha de bronze por equipes que consagrou os três mais Rafael Silva, o Baby.
Guilheiro, que é formado em gestão e estuda matemática em um mestrado, mantém uma atuação paralela no mercado financeiro, atuando na corretora Genial Investimentos. Além disso, iniciou recentemente um projeto de análise de dados de lutas para usar a matemática a favor do desempenho dos atletas do Clube.
Pinheiros A campanha do Judô brasileiro em Paris foi a melhor da história. A que você atribui esse desempenho e a predominância de pinheirenses entre os medalhistas?
Guilheiro – Eu atribuo ao trabalho do Esporte Clube Pinheiros e aos nossos atletas, que foram lá e resolveram o problema. É sempre um desafio muito grande você chegar em uma Olimpíada e conquistar uma medalha. E o Pinheiros tem uma parcela relevante nessa conquista, com o trabalho que a gente realizou aqui, a preparação, todo o planejamento do treino, estudo tático, técnico e parte física.
Pinheiros Você foi duas vezes medalhista olímpico como atleta, e agora é multimedalhista como treinador. Como é a sensação?
Guilheiro – É um pouco diferente, até por conta da responsabilidade. Quando se é atleta, é você com você. Se der errado, você assume todos os ônus, ponto final. Quando é treinador, o atleta coloca o sonho dele nas suas mãos. Por isso, quando vi os atletas voltando dos Jogos Olímpicos, tendo um ótimo desempenho e até conquistando medalhas, fiquei aliviado. Eu senti alívio de uma maneira diferente.
É difícil explicar exatamente qual é a sensação, mas, quando você lida com o sonho dos outros, é uma responsabilidade muito grande.
Pinheiros Na Olimpíada, você chamou a atenção pelo estudo dos adversários. Como foi isso?
Guilheiro – Além de estudar os adversários, foi importante também corrigir algumas questões de fundamentos dos nossos atletas. Não adianta apenas estudar um adversário, porque quando você acha a solução, a tática para aquele oponente, nosso atleta não tem condição de executar. Além disso, tem a questão de não permitir que nosso atleta dê brechas para o adversário, que também está estudando ele. Foram muitas horas assistindo a vídeos e entendendo quais eram as limitações e os potenciais. Entender o que o adversário fazia de bom e, ao mesmo tempo, corrigir e preparar os nossos atletas para que conseguissem executar da melhor forma possível a tática estudada, sem permitir brechas.
Pinheiros Conte um pouco sobre seu envolvimento com a matemática.
Guilheiro – Eu caí na vida de treinador meio que por acaso. Nunca foi um grande objetivo. O que abriu essa porta foi o convite para ser consultor da equipe do Pinheiros, e depois head coach. Também tive ofertas para ir para fora do Brasil, treinar a equipe feminina de Israel e a equipe masculina da França. Em paralelo, minha formação tinha ido para outro lado, com a graduação em gestão e o mestrado em matemática. E tenho esse lado do mercado financeiro, da Genial Investimentos, na qual participo de projetos pontuais. Tenho tentado aos poucos implementar a matemática no esporte. É um caminho que já está difundido em outras modalidades, mas no Judô ainda está começando. Diferentemente de outros esportes mais profissionalizados, ainda não temos acesso a muitos dados. Então começamos por essa parte de coletar dados, ver o que é relevante ou não. Ainda é um projeto piloto. Tenho pleiteado bastante que a gente consiga ter uma equipe de scouting, para poder levantar mais dados. Acredito que no médio prazo teremos uma ferramenta muito mais robusta. Espero que tenhamos para a Olimpíada de 2028 algo muito maior, em termos de preparação, do que o que a gente fez para Paris.
Pinheiros Tem exemplos de melhorias no treinamento que vieram da matemática?
Guilheiro – A primeira coisa que a matemática fez por mim foi a questão da rigidez do pensamento, de como organizar as coisas em geral. De certa forma, faço matemática todo dia, mesmo que não faça contas.
A segunda contribuição é o lado do rigor, porque muitas coisas às vezes são usadas há muito tempo no esporte porque são tidas como normais, mas quando a gente vai ver o lado estatístico, da hipótese, aquilo não se confirma. Então trabalhamos no sentido de eliminar as coisas que a gente viu que não tinham fundamento. É como estar em uma floresta e perceber que está se guiando por um mapa que leva para o lado errado. O terceiro aspecto positivo é na direção de coisas práticas. Analisar alguns aspectos, encaixar o tempo de treino para os atletas, dadas as suas características e aquilo que vão precisar nas lutas. E algumas coisas táticas, como um adversário que tinha um determinado comportamento, com base em determinado tempo de luta. Começamos a perceber que aquilo que os modelos matemáticos destacavam se observava na prática.
Pinheiros Por exemplo, as sublutas dentro de uma luta?
Guilheiro – Exatamente. A luta é dividida em sublutas. E cada subluta tem uma dinâmica diferente, assim como cada atleta tem também uma dinâmica diferente. No trabalho estatístico, encontramos nuances para explorar em benefício do desempenho dos nossos atletas.
Pinheiros Vocês desenvolveram um código de programação para fazer esse scouting?
Guilheiro – Sim. Eu tive a ideia, e sei um pouco de programação, então fiz um esboço. E tem um atleta nosso aqui, o Lucas Lima, que é programador. Então eu contratei ele para desenvolver o código. Ele fez isso, aplicamos nos dados do Campeonato Mundial de Doha, e ajudou nas Olimpíadas. Agora, já estamos em uma versão 2.0, melhorada. Naturalmente, teve muito erro, muita dificuldade, situações com as quais a gente se deparou que não estavam previstas. As coisas vão acontecendo. Mas não esperamos pelo mundo ideal, fizemos com o que tínhamos à mão. E o resultado está sendo melhor do que imaginei.
Pinheiros Como você vê as perspectivas do Brasil, e do Pinheiros, para Los Angeles? Dá pra repetir o resultado de Paris?
Guilheiro – Tomara, tomara. Foi um resultado grande, e é muito difícil pensar em perspectiva e prometer. A gente continua trabalhando, tentando corrigir as coisas que talvez não funcionaram tão bem, buscando sempre lapidar o nosso processo. Em paralelo, também existe uma procura muito grande por jovens talentos para vir para o Pinheiros. Então, sim, acho que a gente tem a chance de fazer uma boa Olimpíada em 2028. Mas o ciclo tem só dois meses, está começando. Agora ainda é um momento de muito trabalho. Los Angeles é a meta, mas ainda está longe, nem estou pensando no resultado.
Pinheiros Qual a maior lição que você tenta transmitir no seu dia a dia?
Guilheiro – A primeira coisa é que eles têm que ter bastante comprometimento. Precisam entender que o que acontece aqui, no dia a dia, é muito decisivo na vida. Tudo o que eles fizerem aqui, precisam fazer da melhor forma possível, porque acaba reverberando. E damos um choque de realidade: a regra é que a pessoa não chegue ao topo. Quando a gente pensa em Jogos Olímpicos, ser medalhista é um feito raro. Se você se dedicar ao máximo, fizer de tudo, pode ser que mesmo assim não chegue lá. Tem muita aleatoriedade no caminho, a gente não tem controle sobre tudo. Mas, se eles não se dedicarem, vão se afastar cada vez mais do objetivo. Então, a gente tenta fazer o melhor possível para se expor ao sucesso.
Pinheiros E qual é seu maior sonho?
Guilheiro – Hoje eu estou tranquilo com os meus sonhos. Acho que tenho uma vida feliz, tranquila e pacífica. Estou satisfeito com isso. Profissionalmente, como atleta, sou bem resolvido.
Eu nem contava em trabalhar com isso, e, de repente, logo no primeiro ciclo olímpico a gente tem um baita resultado desses. Agora é tentar ajudar o máximo possível o Judô brasileiro e ver essa molecada se desenvolver.
Pinheiros O que te fez seguir no ECP mesmo se tornando um sensei tão cobiçado por outros clubes e até outros países?
Guilheiro – Olha, tem uma série de coisas. Como te falei, nunca pensei em seguir ativo no Judô após a carreira como atleta. Foi algo que aconteceu. E aí pensei: se for pra ajudar no esporte, que seja ajudando meu clube, que defendi por 15 anos, e o meu País. Uma contribuição interna, para as minhas pessoas, não para o inimigo. E aqui tenho uma equipe muito legal. Em essência, as três medalhas olímpicas foram conquistadas aqui, por atletas que treinaram 100% do tempo dentro do Clube. É uma responsabilidade grande.

Leandro Guilheiro em coletiva de imprensa com os medalhistas pinheirenses de Paris 2024
FOTO: GABRIELLA GARBIM/ECP